terça-feira, 1 de julho de 2008

Os Contos de Fadas

Trabalho por mim apresentado no Curso de Pós-Graduação em Literatura Infanto-Juvenil (Módulo 2), em 16/05/2008. (1)


Índice
1 - A palavra escrita X as ilustrações

2 - Missão da Literatura

3 – Escritores infanto-juvenis da atualidade

4 – Filme: "Príncipes e Princesas" (teatro de sombras)

5 - Filme: "O Labirinto do Fauno"

6 – Funções do maravilhoso na Literatura

7 - Questões históricas dos contos de fadas

8 - Origem dos contos de fadas

9 – Alguns autores infantis clássicos

10 – Análise de alguns contos

11 – “O Velho do Saco" (origem da lenda)

12 – Sigmund Freud --- até aqui?!

13 - Fontes de Consulta


1 - A palavra escrita versus as ilustrações
Há livros que se sustentam, que transmitem a mágica verbal simplesmente com o texto literário, sendo as figuras (ilustrações) apenas complementos que a adornam. Quando todavia se invertem esses papéis, as ilustrações invadem o espaço do livro, em demérito da palavra escrita. O ideal, então, é que as ilustrações se mantenham em segundo plano, já que o livro infantil cuida essencialmente da mensagem escrita.
A relação que temos com a literatura infanto-juvenil marca o nosso possível lugar na história de vida das crianças – desde que façamos corretas interpretações dos fenômenos correlatos.


2 - Missão da Literatura
"Um livro é clássico quando nunca termina de dizer o que tem a dizer.
Talvez por isso os verdadeiros clássicos são sempre modernos." (Georgina Martins)

A literatura não fala diretamente da dor alheia: emprega sim, com sabedoria e arte, as figuras de linguagem (metáforas, metonímias, sinédoques, prosopopéias...). Esses recursos imagísticos farão com que nós, de algum momento em diante, nos achemos ali como seres humanos, com toda a carga de dignidade e estupor que nos forma e embala.
Logo, eis o grande mérito da Literatura: colocar o homem, artisticamente nu, diante da Eternidade.


3 – Escritores infanto-juvenis da atualidade
A literatura da década de 70 contribuiu para facilitar o discurso, a comunicação artística entre os brasileiros. Citaríamos Sylvia Orthoff, Ruth Rocha e Ziraldo como meras referências, posto que, mesmo sem notar ou querer, o leitor-criança ainda não possui um domínio completo da língua. Ressaltamos, no entanto, que nem por isso (seu parco, nascente vocabulário) esse leitores-mirins compreendem e interagem menos que os adultos as situações e questões perante eles colocadas --- dando-lhes sempre uma resposta consistente, válida, surpreendente.
E por que receamos dar "nota dez" a qualquer escritor iniciante? Porque ainda o encaramos com reserva, pois via de regra ele facilita demais as coisas (literárias) para os pequenos leitores --- o que não é bom, pois os livros infantis têm que elevar a imaginação, a criatividade, a interação, os conceitos imprescindíveis para a sua formação e crescimento social...
E esse literato de primeira viagem, que ignora bastantes coisas, acaba realizando uma obra no vazio do Bem e do Belo: escrevinha uma literatura vagabunda, intragável, vulgar.


4 – Filme: "Príncipes e Princesas" (teatro de sombras)
Após a projeção, a professora dividiu a turma em grupos e pediu que lêssemos contos de fadas, analisássemos e fizéssemos uma apresentação.
Na aula seguinte, cada aluno levou um ou mais exemplares de adaptações de contos de fadas --- ou mesmo de outros gêneros --- e fizemos uma crítica comum, um balanço geral, um debate democrático e profícuo.
Livros que levei: “A Metamorfose” (Franz Kafka – quadrinhos), “Ali Babá e os quarentas ladrões” (por Antoine Galland), “As aventuras de Pinóquio” (Carlo Collodi), “O corcunda de Notre-Dame” (Victor Hugo), “O Flautista Mágico”, “O Último Moicano” (James F. Cooper) e “Os Miseráveis” (Victor Hugo).5 - Filme: "O Labirinto do Fauno"
Mescla a mais crua realidade da ditadura do Generalíssimo Francisco Franco, na Espanha das primeiras décadas do século XX, com a magia etérea de uma história paralela transcendente, onde uma menina é a heroína. A sua mãe freqüentemente lhe dizia que ela tinha que crescer (entenda-se: para de sonhar acordada e ver magia em tudo).
O filme contém, em conseqüência, inúmeras referências simbólicas ao crescimento individual, espiritual, cruzadas com a estabilidade cósmica.
Psicanaliticamente, surge o escapismo, a fuga das coisas concretas: a garota não queria conviver com o padrasto antipático e arrogante, e usa o recurso mental do conto de fadas para se abstrair --- criando outra realidade, um mundo paralelo.
O livro em branco onde ela vai "escrevendo" sua história, bastante significativo e misterioso, conduz ao restabelecimento da fantasia e amplia suas divagações oníricas.
No final, assiste-se à dor maior do padrasto, o cruel capitão: o filho recém-nascido, irmão da garota, não saberá quem é (ou foi) ele, sabença essa que daria continuidade à sua geração, sua história de vida. Essa angústia ele a experimentou no seu último minuto de vida, quando entregou a criança à empregada e disse, ainda em tom autoritário: "Tome meu filho. Cuide dele, e, quando crescer, diga-lhe com orgulho quem foi seu pai!"
A revolucionária governanta, protegida e apoiada por vários guerrilheiros do povo, responde: "Não, o menino jamais saberá quem foi seu pai! Canalha!"
Em seguida, um homem o mata com um único tiro. Sério momento de catarse para os espectadores, esse de justo castigo pelas malvadezas por ele cometidas.
O filme, pleno de simbolismo, faz referências a várias histórias, que atravessam a versão principal. E não perde a verossimilhança, alternando-se entre o real e o imaginário, na dose exata de devaneio artístico.


6 – Funções do maravilhoso na Literatura
a) Fuga da realidade:
- "As desventuras de Cândida Erênvira e sua avó desalmada", de Gabriel G. Márquez;
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez;
- "Os Cavalinhos de Platiplanto", de José J. Veiga;
- "O Ex-Mágico" e "O Pirotécnico Zacarias", de Murilo Rubião...

b) Crítica social:
Determinadas coisas reais, cujo aspecto insólito nos choca e pasma, parecem ficção, embora se trate de pura realidade --- coisas inacreditáveis, impensáveis. Essas coisas reais, virando literatura, fazem emergir em conseqüência essa outra função da literatura. Exemplo: o filme "Edward Mãos de Tesoura", em que Edward mostra a hipocrisia da sociedade americana. Essa sociedade desejava apenas se apropriar daquilo que não é real – a exemplo do menino Aladim, que só queria uma mesa farta.
Através da Arte (Pintura, Escultura, Literatura...), procuramos nos apropriar daquilo que não temos na realidade: é o caso de uma moça pobre que se casa com um príncipe virtuoso e bonito, por exemplo --- e que nos enche da fantasia peculiar à história sonhada.
Enfim: os bons autores, quando escrevem, além de nos arrebatarem da realidade, fazem-nos conhecer essa mesma realidade --- metaforicamente, artisticamente, o que nos possibilita alçar-nos a elevados pensamentos e sentimentos, que nos aprofundam e fazem ver inusitados mundos no Mundo.


7 - Questões históricas dos contos de fadas
O príncipe, que aparece sempre no final dos contos de fadas, assemelha-nos uma figura lendária, inatingível como os nossos ideais --- porém tão presente como eles.
Fazendo uma leitura e análise desses contos, percebemos que as narrativas se apresentam mágicas quando (ou porque) saem da realidade.
Tais narrativas possuem um ritmo e um caráter temporal próprios. Não devemos tentar modernizá-las muito, pois acabaremos desvirtuando essa atemporalidade tão essencial a elas. Acrescentar temas, coisas e objetos da atualidade (como celulares, pilhas, televisão, computador etc.), a esses contos destrói o seu milenar encanto, cuja magia prescinde de apetrechos tão modernos, virtuais marcadores de tempo.

***
Na Idade Média, em algumas regiões, havia a crença de que, jogando-se uma virgem no rio, as terras em redor seriam fertilizadas pela decomposição natural do corpo dessa jovem. Essa crença é uma marca do sobrenatural, porque não existia ainda a Ciência, e naquele momento não circulavam ainda príncipes encantados, que apareceram nos contos bem depois.
No caso de João e Maria, a dolorosa passagem para a adolescência foi simbolizada pela escuridão e perigos da floresta. Sua história comporta uma metáfora invertida da fome – uma casa cheia de doces (que paraíso!), que os leva a se apropriar do irreal, numa releitura moderna. (Naquele tempo, os pais abandonavam mesmo as crianças na floresta, devido à falta de recursos.)
Essas histórias não foram inventadas para crianças, mas para amenizar a dureza da vida das classes pobres, na Idade Média. O maravilhoso possui, então, um caráter social histórico.
O espaço literário medieval abarcava as florestas, e as histórias se estruturam naquele espaço e naquele tempo.

***
O Feudalismo se dividia entre os que oravam (clero), os que governavam (reis, príncipes, nobres) e os que trabalhavam (povo).
Para a Igreja o que interessava eram os milagres, e não o aspecto maravilhoso das histórias. Tudo o que acontecia nas esferas do bem e do mal era de competência de Deus --- nunca mérito ou vontade dos homens. E pelo conceito medieval, sendo o homem moldado à imagem e semelhança de Deus, como poderiam existir bruxas?
Na Idade Média, mormente nos séculos IV e XV --- séculos cristãos, monoteístas ---, ocorreram as grandes navegações, resultando por exemplo no descobrimento do Brasil.
Há um conjunto de tradições, de cenários de castelos, realeza etc. na Europa, que nós no Brasil não possuímos, pois somamos apenas 500 anos, e não dois mil anos ou mais, como eles. 8 - Origem dos contos de fadas
Podem ter vindo dos padres, intelectuais que dominavam a escrita; ou de pessoas ou famílias iletradas que trabalhavam de dia e, à noite, se reuniam e contavam histórias diante dos fogos de seus lares.
Há ainda narrativas plenas de referências gregas e de outras culturas.
Logo, não dá para precisar de onde surgiram e que classes as recolheram.


9 – Alguns autores infantis clássicos
a) Charles Perrault:
Muitas histórias eram relatadas oralmente, no século XVII. Perrault, que na França vivia em palácios, recolheu várias delas. Um conjunto famoso: os "Contos da mamãe gansa". Narrados para meninas e damas da Corte como entretenimento, continham também uma moral. Depois, ele resolveu escrevê-las.
Contando tais histórias, pretendia ele que as mulheres bonitas se tornassem também (ou mais) submissas.

b) Irmãos Grimm:
No século XIX, na Alemanha, os estudiosos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm puseram-se a recolher as histórias do povo. Publicaram, em 1812, os "Contos da Infância e do Lar", pois achavam que tais relatos não se podiam perder, reunindo as várias narrativas semelhantes e refundindo-se numa só versão.

c) Hans Christian Andersen:
No século XIX, na Dinamarca, ele escreveu "A Pequena Sereia", "O Patinho Feio" e outras histórias comoventes. Tanto as compilava a partir do folclore local, como as inventava.


10 – Análise de alguns contos
a) Branca de Neve:
O amadurecimento sexual (passagem de menina a moça) se acha simbolizado pela sua ida para a floresta, onde se "perde" (na verdade, se "acha"), ao se deparar com outro estágio da vida, descobrindo sua libido, seu lado erótico.
Algumas características desta história: ela reza sempre, antes de dormir; seu pai, fraco, imbele, faz todas as vontades da madrasta; os sete anões simbolizam os trabalhadores da terra.
A morte temporária de Branca de Neve é abordada no livro de Vladimir Propp, em uma interpretação bastante original.

b) Cinderela:
Na verdade, sua história aponta para o fim do ciclo dos contos maravilhosos.
Alguns critérios para a heroína circular na Corte: apresentar-se sempre bela, bondosa e bem vestida, por exemplo.
Naquele tempo, acreditava-se que plantar uma árvore num túmulo fortalecia os corpos dos vivos. E que permanecer perto do fogo era um privilégio para o pagão. No cristianismo, o fogo se relaciona ao inferno; ela vive perto do fogo e está sempre suja.
Existem mais de trezentas versões de "Cinderela".

c) Sete palavrinhas sobre as madrastas...
Sua figura se vinculava à infância, pois as mulheres morriam cedo, de parto, e os homens se casavam de novo. Daí que proliferavam as madrastas --- e as tristes lendas a seu respeito... Torna-se complicado levar para um novo casamento os filhos do anterior. Na miséria, torna-se pior ainda: cada um quer proteger seu filho. Cinderela vivencia isto: a madrasta procura desonerar, desobrigar e privilegiar as suas filhas legítimas, jogando o peso das responsabilidades e do trabalho de casa sobre ela.
(Na Alemanha, há a versão de um casal que viu uma menina abandonada e a pegou para criar; a menina se apaixona pelo homem e a madrasta tenta matá-la.)


11 – “O Velho do Saco" (origem da lenda)
Em Portugal, a Igreja criou a Roda de Expostos, que consistia no seguinte: colocavam as crianças numa roda giratória, apertavam a campainha e ela girava para dentro do pátio, sem que as pessoas se vissem. Do lado de dentro, pessoas piedosas pegavam as crianças assim abandonadas, que eram posteriormente oferecidas para adoção.
(Exemplo ainda visível em Cabo Frio: o prédio da Charitas, (2) que guarda vestígios dessa prática caridosa).
A Igreja inventou também uma pia batismal, para afastar do pecado esses anjos pagãos, através de uma unção (uma bênção).


12 – Sigmund Freud --- até aqui?!
Sim. Para ele, há três medos inerentes ao ser humano: morrer, relacionar-se e as forças da natureza. O maior medo: relacionar-se, uma vez que ele se acha um eterno infeliz, um permanente inadaptado para viver na Civilização.


13 - Fontes de Consulta
1 - "A mulher que matou os peixes", de Clarice Lispector. Il. FlorOpazo. 32 p. Ed. Rocco, RJ, 1999.
2 - "A Psicanálise dos Contos de Fadas", de Bruno Bettelheim. 440 p., 21ª edição, Paz e Terra, RJ, 2007.
3 - "Ali Babá e os quarenta ladrões", por Antoine Galland. Adap. Luc Lefort. Trad. Ruth Salles. Il. Emre Orhun. 48 p., 1ª ed. Ática, SP, 2002.
4 - "As aventuras de Pinóquio", de Carlo Collodi. Trad. Marina Colasanti. Apres. Tatiana Belinky. Il. Odilon Moraes. 64 p., 1ª ed. Companhia das Letrinhas, SP, 2002.
5 - "Aladim e a lâmpada maravilhosa". Adap. Eunice Braido. Il. Edil A.S. Araújo. 16 p. Ed. FTD. 6 - "João e Maria". Adap. Alfredo C. Machado. Il. T. Izawa e S. Hijikata. 16 p. Ed. Record.
7 - "Literatura Infantil Brasileira", de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. 190 p., 6ª edição, Ática, SP, 2006.
8 - "O Corcunda de Notre-Dame", de Victor Marie Hugo. Adap. Telma Guimarães. Il. Denise Nascimento. 48 p., 1ª ed. Scipione, SP, 2003.
9 - "O grande massacre dos gatos e outros episódios da história francesa", de Robert Dartson.
10 - "O Flautista Mágico". Sem ind. autor e adap. Il. Lima. Ed. Globo, SP, 2000.
11 - "O menino e o arco-íris", de José Ribamar Ferreira Gullar. Il. Marcelo Apis. 102 p. Ed. Ática, SP, 2001.
12 - "O que é Literatura Infantil", de Lígia Cadermatori. 90 p. 7ª edição, Brasiliense, SP, 2006.
13 – "O Texto na Sala de Aula --- Leitura e Produção", de João W. Geraldi (org.). 4ª edição, 136 p., Ática, SP, 2006.
14 - “O Último Moicano”, de James F. Cooper. Adap. Luiz Antonio Aguiar. Il. Eduardo C. Pereira. 48 p., 1ª ed. Cia. Melhoramentos, SP, 1997.
15 - "Seis propostas para o novo Milênio", de Italo Calvino. Trad. Ivo Barroso. 141 p., 5ª ed. Companhia das Letras, RJ, 1990.
16 - "Teoria da Literatura: uma Introdução", de Terry Eagleton. 400 p., 6ª edição, Martins Fontes, SP, 2006.


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(1) Modificado onze vezes desde então, consumindo cerca de onze horas, entre computador, ônibus, mesa de trabalho, leituras e pesquisas...
(2) Pronuncia-se 'cáritas'.

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