terça-feira, 1 de julho de 2008

Resenha de "Eu, Myriam Rios" (memórias)

Perfil biográfico(1):
"Myrian Rios, nascida em Belo Horizonte, começou sua carreira há 28 anos, num concurso para novos talentos da Rede Globo. Sua primeira novela foi "O Feijão e o Sonho", exibida em junho de 1976. A partir daí, atuou em mais de 20 novelas como atriz, e como apresentadora nos programas "Globo de Ouro" e "Vídeo Show".
Produziu e atuou em musicais infantis e também no cinema.
Atualmente, é apresentadora do programa "Atitude Solidária", da TV Canção Nova, e "Semeando Esperança", na Rádio Canção Nova AM, pela rede nacional." (transcrito da contracapa)



I – Qualidades:
a) português correto, sempre;
b) estilo ágil, períodos curtos, concisos;
c) ternura, encantamento, pureza juvenil;
d) não há palavras vazias: todas bem empregadas, valorizando a mensagem da autora;
e) as fotos, em preto-e-branco, dão um tom de
irrealidade celeste, graças à sábia seleção;
f) a capa, absoluta em arte e bom-gosto;
g) as letras, num tamanho ideal;
h) o extremo cuidado editorial;
i) a revisão técnica, a cargo de Camila Castro Sanches.



II – Defeitos:
a) Estilo:
Supercomum, mendigo mesmo, sem a menor preocupação da autora em reescrever --- reelaborando assim --- seu livro. Faltou perdição literária. Faltou coragem e tempo para perder-se na floresta da Literatura, de onde os bons literatos regressam
conduzidos pelas palavras mais luminosas, castas,
verdes e únicas, que formarão o seu estilo estonteante, garantindo-lhes a leitura eterna.
Essa sua escritura muito arrumadinha, papai-mamãe, feijão-com-arroz, vestidinho dominical, comunica com competência sim, cumpre bem a missão de narrar, sim; todavia, onde a fundura e a fúria dos largos rios inavegáveis?


b) Religião:
Excesso de religiosidade, resultando numa obra de auto-ajuda, de testemunho, ou meramente doutrinária, de convencimento ideológico --- e não memórias na acepção literária.


c) Amores:
Afinal, a mulher Myrian amou e foi amada por três homens, em princípio: Roberto Carlos Braga (cantor), Edmar da Fontoura (médico - mencionado às páginas 60, 80 e 88) e André Gonçalves (ator); pois ela só fala, ou fala muito mais, do primeiro.
Entendemos que não se trata de autopromoção ou estrelismo, pois toda a sua obra contém afirmações sinceras de cândida humildade, de purificação espiritual pela experiência e o elemento (ou poder) divino. Fora que ela teve uma carreira ofuscante na televisão e no teatro, independente de qualquer apoio sentimental: o seu puro talento a elevou artisticamente.
Ora, então por que não reservou ela o mesmo espaço gráfico e importância biográfica aos três?
Afigura-se-me um privilégio, uma discriminação, uma violação a um direito natural...


d) Prefácio:
O próprio Padre Jonas Abib, no prefácio, se refere ao livro como "um testemunho". (p. 11) E acrescenta: "Não é uma biografia."
E segue discorrendo sobre a honestidade com que Myrian relata seus erros e acertos, transformando esse relato num convite à nossa "conversão", ao mesmo "renascimento" com ela ocorrido.
Fala ainda da "simplicidade encantadora" com que ela narra fatos tão pessoais quanto delicados.
Acertou, o pároco: o estilo myriano transpira sinceridade, confiança e a serenidade de quem prefere a discrição do confessionário.
Acertou ainda ele ao se referir à obra como um "livro tão meigo, tão direto"...
O único aspecto que desmerece o seu prefácio é a repetição, de várias maneiras, da afirmação: "Nasceu uma nova Myrian Rios". É novo nascimento para lá, novo nascimento para cá... Cansa, e como.
Ia eu apontar alguns chavões, como "ela abre o coração"; contudo observo que todo o prefácio abriga um colossal canteiro de frases e idéias feitas... (2)



Considerações finais:
1 - Indico o livro ao público juvenil, pela montanha de mensagens positivas, de chamamentos à vida, ao amor, à família, à fama, ao sonho... E ainda pelo relato sem pompa ou afetação de “como funciona” a ascensão de uma estrelinha: muita luta honesta, dedicação, lealdade, união e incentivo de familiares e amigos e... sorte!

2 - Obra confessional, sim; mas inteiramente denotativa, não nos levando a maiores reflexões filosóficas ou interpretações estéticas. Construída com as palavras de sentido unívoco, descartando portanto as ferramentas do sonho maior.

3 - Citar Machado de Assis glorifica, sem dúvida. Assim, evoco as Memórias Póstumas de Brás Cubas. E evoco, ainda, Por Onde Andou meu Coração, de Maria Helena Cardoso (1903-?).
Entendemos que nem todas as memórias aspiram à condição literária. Na verdade, somos nós, os críticos, que assim as sonhamos...

4 - O leitor crítico, esse curiosíssimo pássaro, adora cair em alçapões literários, em arapucas surpreendentes, em armadilhas e labirintos inesperados --- preferindo se libertar sozinho, a duras penas, perdendo penas, partindo as asas, quebrando o bico, ferindo-se todo. Adora. E, pequena Fênix, depois levanta vôo, feliz, restaurado pelos grãos de beleza e grandeza que encontrou no livro-prisão. Mas onde a prisão deste livro?!

5 - Ora, o que pereniza uma obra? --- Sua linguagem, entre outras razões. A força lírica com que foi escrita. E sua literariedade, ou o predomínio da Arte sobre a Religião, a Filosofia, a História --- sua universalidade enfim, e não o fato de ela existir apenas para católicos, filósofos ou historiadores.
A verdadeira obra-de-arte literária possui mil pastores e mil e uma parábolas, destinadas a infinitos,
a incontáveis rebanhos --- e não um só Pastor e um só Rebanho.
Admito entretanto que há memórias literárias e não-literárias, inexistindo qualquer superioridade entre elas, constituindo as segundas importantes documentos de sua época.
Admito também que, em momento algum, arvorou-se a autora de haver escrito uma obra-prima. O livro, enfim --- desvaneço-me em afirmá-lo ---, é de uma cordialidade gandhiana. Um exemplo singelo de intenções abertas.

6 - Ora, ela escreveu Eu, Myrian Rios ainda jovem, bela, famosa e carismática, num contexto favorável, de empatia nacional. Entretanto, o que restará de tudo isto daqui a cem anos? Desse ‘glamour’, desse ambiente propício, dessa irretornável época? --- Nada. Ou simplesmente o que se relatou dela --- se bem relatado. Só.
---“E por que não serei mais lida?!” --- indagará indignada.
Porque, lindíssima, educadíssima e simpaticíssima Myrian, em 2108 todos teremos perecido, e a geração atuante terá novos ícones, novas Myrians, com novas mensagens em novos livros com o mesmo estilo, os mesmos temas e apelos repetidos que a farão desaparecer muitos antes da face da Terra da Literatura, implacável com memórias repletas de ladainhas, santos e procissões, além de revelações e milagres inverossímeis.
Apelo enfim para que ela zele pelo futuro de sua arte, como zela pelo futuro de sua alma.


___________
(1) "Eu, Myriam Rios" (memórias). 96 pp. Editora Canção Nova, São Paulo, 2006. Preço: R$ 16,00. Pedidos a www.myrianrios.com ou a www.cancaonova.com


(2) Ver, a respeito, o artigo "Chavões de Linguagem", do professor Ricardo Sérgio, em www.recantodasletras.com.br



Texto modificado 25 vezes até 08/02/2010.
Ocupei-me de sua obra por 40:20h, até 08/02/2010.

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