quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

"A construção de sentidos no Hipertexto: demandas linguísticas e cognitivas" (Ingedore Koch (UNICAMP/CNPq)

"II Encontro Nacional sobre Hipertexto"
(Comunicação temática)



1. Conceituação
Para discutir a construção de sentidos no hipertexto, cabe, em primeiro lugar, proceder à conceituação de nosso objeto reflexão.
É grande, hoje em dia, o número de autores que
vêm se ocupando do hipertexto. Muitos deles ressaltam a dificuldade de chegar a uma conceituação adequada, visto que ainda se continua a tomar como parâmetro o texto impresso, como bem mostra Beiguelman (2003:11):

Tão estável e paradigmático é o texto impresso que não se conseguiu inventar um vocabulário próprio para as práticas de escrita e leitura on line. As telas de qualquer site dispõem de páginas, critérios biblioteconômicos de organização de conteúdo regem os diretórios e a armazenagem é feita de acordo com padrões arquivísticos de documentos impressos, seguindo à risca o modelo de 'pastas' e 'gavetas'.

De forma bem simplificada, pode-se dizer que o termo designa uma escritura não-seqüencial e não-linear, que se ramifica de modo a permitir ao leitor virtual o acesso praticamente ilimitado a outros textos, na medida em que procede a escolhas locais e sucessivas em tempo real.
Theodor Nelson, criador do termo hipertexto nos anos sessenta, considera o hipertexto

'um conceito unificado de idéias e de dados interconectados, de tal modo que estes dados possam ser editados em computador. Desta forma, tratar-se-ia de uma instância que poria em evidência não só um sistema de organização de dados, como também um modo de pensar' (Nelson, 1993).

A partir de então, tornou-se comum a conceituação de hipertexto como metáfora do pensamento.
Para Bairon (1995:45), trata-se de um texto estruturado em rede, uma matriz de textos potenciais, de forma que cada texto particular vai consistir em uma leitura realizada a partir dessa matriz.
Lévy (1993:33) afirma que o hipertexto melhor se define como um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou parte de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria deles, estende suas conexões em estrela, de modo reticular.
Para Levy (1996), o hipertexto, configurado em redes digitais, desterritorializa o texto, deixando-o sem fronteiras nítidas, sem interioridade definível. O texto, assim constituído, é dinâmico, está sempre por se fazer. Isto implica, por parte do leitor, um trabalho infindo de organização, seleção, associação, contextualização de informações e, conseqüentemente, de expansão de um texto em outros textos ou a partir de outros textos, uma vez que os textos constitutivos dessa grande rede estão contidos em outros e também contêm outros.
Bolter (1991), por sua vez, assevera que o hipertexto constitui um texto aberto ou um texto múltiplo, caracterizado pelos princípios da não-linearidade, interatividade, multicentramento e virtualidade.
Conforme Snyder (1998: 126),

hipertexto é um medium de informação que existe apenas on line, num computador. É uma estrutura composta de blocos de texto conectados por nexos (links) eletrônicos que oferecem diferentes caminhos para os usuários. O hipertexto providencia um meio de arranjar a informação de maneira não-linear, tendo o computador como automatizador das ligações de uma peça de informação com outra.




2. Características
As conceituações aqui apresentadas permitem-nos elencar as principais características que vêm sendo apontadas para o hipertexto:

1. não-linearidade (característica central) – o hipertexto estrutura-se reticularmente, não pressupondo uma leitura seqüenciada, com começo e fim previamente definidos.
Segundo Marcuschi (1999:33), o hipertexto rompe a ordem de construção ao propiciar um conjunto de possibilidades de constituição textual plurilinearizada, condicionada por interesses e conhecimentos do leitor-co-produtor (grifos do autor);

2. volatilidade – que é devida à própria natureza do suporte;

3. espacialidade topográfica – trata-se de um espaço não-hierarquizado de escritura/leitura , de limites indefinidos;

4. fragmentariedade, já que não existe um centro regulador imanente;

5. multissemiose – por viabilizar a absorção de diferentes aportes sígnicos e sensoriais (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas, tabelas tridimensionais etc.) numa mesma superfície de leitura;

6. descentração ou multicentramento – a descentração estaria ligada à não-linearidade, à possibilidade de um deslocamento indefinido de tópicos; contudo, já que não se trata de um simples agregado aleatório de fragmentos textuais, há autores que contestam essa característica, preferindo falar em multicentramento, como é o caso, por exemplo, Bolter (1991) e Elias (2000, 2005);

7. interatividade – possibilidade de o usuário interagir com a máquina e receber, em troca, a retroação da máquina;

8. intertextualidade – o hipertexto é um 'texto múltiplo', que funde e sobrepõe inúmeros textos que se tornam simultaneamente acessíveis a um simples toque de mouse;

9. conectividade – determinada pela conexão múltipla entre blocos de significado;

10. virtualidade – outra característica essencial do hipertexto, que constitui uma 'matriz de textos potenciais (cf. Bairon, 1995).




3. Links e nós
Santaella (2001) chama a atenção para o fato de que, enquanto no texto impresso predomina um fluxo linear, no caso do hipertexto essa linearidade se rompe em unidades ou blocos de informação, cujos tijolos básicos são os nós e nexos associativos, formando um sistema de conexões que permitem conectar um nó a outro, por meio dos hiperlinks.
Isto é, uma das principais inovações do texto eletrônico consiste, justamente, nesses dispositivos técnico-informáticos que permitem efetivar ágeis deslocamentos de navegação on line, bem como realizar remissões que possibilitam acessos virtuais do leitor a outros hipertextos de alguma forma correlacionados (Xavier, 2002).
Os hiperlinks podem ser fixos (aqueles que ocupam um espaço estável e constante no site) ou móveis (os que flutuam no espaço hipertextual, variando a sua aparição conforme as conveniências do produtor), desempenhando funções importantes, entre as quais a dêitica, a coesiva e a cognitiva.
Os hiperlinks dêiticos funcionam como focalizadores de atenção: apontam para um lugar 'concreto', atualizável no espaço digital; ou seja, o sítio indicado existe virtualmente, podendo ser acessado a qualquer momento. Possuem, portanto, caráter essencialmente catafórico, prospectivo, visto que ejetam o leitor para fora do texto que está na tela, remetendo suas expectativas de completude para outros espaços. Isto é, como bem mostra Xavier (2002), eles

"convidam o leitor a um movimento de projeção, de êxodo não-definitivo dos limites do lido, sugerem-lhe insistentemente atalhos que o auxiliem na apreensão do sentido, ou seja, apresentam-lhes rota alternativas que lhe permitam pormenorizar certos aspectos e preencher on line lacunas de interpretação".

Em outras palavras, os links são dotados de função dêitica pelo fato de monitorarem a atenção do leitor no sentido da seleção de focos de atenção, permitindo-lhe produzir uma leitura mais aprofundada e rica em pormenores sobre o tópico em curso, bem como cercar determinado problema por vários ângulos, já que remetem sempre a outros hipertextos que tratam de um mesmo tópico, complementando-se, reafirmando-se ou mesmo contradizendo-se uns aos outros.
Os links desempenham função coesiva por amarrarem as informações, 'soldando' peças esparsas de maneira coerente. Por essa razão, é importante para o produtor atar os hiperlinks de acordo com certa ordem semântico-discursiva, de modo a garantir ao hiperleitor a fluência de leitura e o encaminhamento da compreensão sem excessivas interrupções ou rupturas cognitivas.
Do ponto de vista cognitivo, pode-se dizer que o hiperlink exerce o papel de um 'encapsulador' de cargas de sentido. Para tanto, cabe ao produtor proceder a uma construção estratégica dos hiperlinks, de maneira que eles sejam capazes de acionar modelos (frames, scripts, esquemas etc.) que o leitor tem representados na memória, levando-o a inferir o que poderá existir por trás de cada um deles, formulando hipóteses sobre o que poderá encontrar ao segui-los.
Os links funcionam, portanto, como portas de entrada para outros espaços, visto que remetem o leitor a outros textos virtuais que vão incrementar a leitura. Cada um desses textos, uma vez atualizado, torna-se, por alguns instantes, centro de atenção do leitor, para, logo em seguida, descentralizar-se no momento da atualização de outro(s) texto(s) da rede. Por esse motivo, cada leitura do hipertexto será uma leitura diferente, já que cada atualização é um evento único, com condições de produção próprias, quer se trate do mesmo leitor ou de outros leitores: em se tratando de um texto aberto ou 'múltiplo', os textos que constituem a rede tratam de diversos temas, embora interligados, como já foi mencionado.
Ao acionar a rede textual, em dado momento, o leitor atualiza alguns desses textos, de acordo com seus objetivos de leitura, marca trechos que considera importantes, associa os conhecimentos novos ao seu conhecimento prévio e vai construir um percurso próprio de leitura dentre os muitos outros possíveis.




4. Demandas linguísticas e cognitivas
Xavier (2002:28-29) concebe o hipertexto como 'um espaço virtual inédito e exclusivo no qual tem lugar um modo digital de enunciar e de construir sentido'.

Para Levy (1993:40), a memória humana é estruturada de modo que o homem compreende e retém melhor aquilo que está organizado em relação espacial, como é o caso das representações esquemáticas. Ora, o hipertexto propõe vias de acesso e instrumentos de orientação sob forma de diagramas, de redes ou de mapas conceituais manipuláveis e dinâmicos, favorecendo, desta maneira, um domínio mais fácil e mais rápido da matéria do que o audiovisual clássico ou o suporte impresso tradicional.
Por esta razão, o hipertexto não é feito para ser lido do começo ao fim, mas por meio de buscas, descobertas e escolhas que irão levar à produção de UM sentido possível, entre muitos outros. Ou seja, no hipertexto a multiplicidade de leituras é condição mesma de sua existência: sua estrutura flexível e não-linear favorece buscas divergentes e o trilhar de caminhos diversos. Nele, a conexão múltipla entre blocos de significado constitui o elemento dominante, em virtude do fato de que, como ressalta Elias (2004), a tecnologia de programação característica da máquina (html) torna o princípio de conectividade, por assim dizer, natural, desimpedido, imediato e sem problemas de tempo e distância.
Conforme Bolter (1991), a conectividade é um princípio estruturante do hipertexto, o que permite pensá-lo como qualitativamente diferente do texto impresso, constituindo, assim, um potencial revolucionário para produzir mudanças significativas nas formas de acúmulo e circulação da informação, nos conceitos de leitura, de autor e de leitor, e nas próprias formas de produção de textos, pela sua capacidade de justapor documentos alternativos e complementares.
Penso, contudo, que a maior diferença entre texto e hipertexto está na tecnologia, no suporte eletrônico. Isto porque, se o texto, conforme venho defendendo, constitui uma proposta de sentidos múltiplos e não de um sentido único (...), se todo texto é plurilinear em sua construção, então, pelo menos do ponto de vista da recepção, todo texto é um hipertexto (Koch, 2002). É este, também, o pensamento de Marcuschi (1999), quando afirma que assim como o texto virtualiza o concreto, o texto concretiza a virtualidade.
O hipertexto é, portanto, um texto constituído por traços peculiares, ele é subversivo em relação ao monologismo, à linearidade, à forma e à postura física do leitor (Ramal, 2002). É um texto elástico, que se estende reticularmente conforme as escolhas feitas pelo leitor, possibilitando-lhe escolher a sequência do material a ser lido. É ele quem determina os caminhos para a construção de um sentido. Pode-se dizer que o hipertexto 'pergunta ao leitor o que deseja ler depois'.
Assim diferentes leitores responderão de formas diferentes a essas perguntas sucessivas, de modo a definir percursos próprios, individuais. Isto implica demandas cognitivas, já que o leitor deverá ter sempre em mente o objetivo da leitura, bem como os princípios de topicidade e relevância.
Do ponto de vista da produção, os links com função dêitica, como dissemos, monitoram o leitor no sentido da seleção de focos de conteúdo, porções de hipertextos que devem merecer sua consideração caso esteja interessado em obter uma leitura mais aprofundada, mais rica em matizes sobre o tópico em tela. Eles servem, portanto, como pistas dadas ao leitor para que busque no hipertexto as informações necessárias que lhe permitam detectar o que é relevante para solucionar o problema que lhe é posto, ou seja, aquelas que vão produzir, naquele contexto, efeitos contextuais, que são dotadas de saliência relativamente àquele background. Como operadores de coesão que são, cabe, portanto, ao produtor fazê-los funcionar como orientadores da hiperleitura na direção de sentidos coerentes e compatíveis com a perspectiva postulada no todo do hipertexto.
Assim, em termos de sua função cognitiva, é importante que as palavras "linkadas" pelo produtor do texto constituam realmente palavras-chave cuidadosamente selecionadas no seu léxico mental e relacionadas de forma a permitir ao leitor estabelecer, ao navegar pelo hipertexto, encadeamentos com informações topicamente relevantes, para que seja capaz de construir uma progressão textual dotada de sentido. Em outras palavras, caberá ao hiperleitor, ao passar, por intermédio de tais links, de um texto a outro, detectar, através da teia formada pelas palavras-chave, quais as informações topicamente relevantes para manter a continuidade temática e, portanto, uma progressão textual coerente.
Marcuschi (1999) mostra que tais ligações seguem normas e princípios variados, de ordem semântica, cognitiva, cultural, social, histórica, pragmática e científica, entre outras. Por esta razão, defende que se trata aqui de um caso de "relevância mostrada" e que tal mostração é a alma mesma da navegação hipertextual. Contudo, tendo em conta que o hipertexto constrói relações de variados tipos e permite caminhos não hierarquicamente condicionados, postula que a noção de relevância que preside à continuidade temática e à progressão referencial no hipertexto não pode ser exatamente a mesma que encontramos nos estudos pragmáticos e discursivos sobre textos falados e escritos.
Do ponto de vista da leitura, perceber o que é relevante vai depender em muito da habilidade do hiperleitor não só de seguir as pistas que lhe são oferecidas, como de saber até onde ir e onde parar. Além disso, cumpre-lhe, como acabamos de dizer, ter sempre em mente o tópico, o objetivo da leitura e o problema a ser resolvido, ou seja, buscar no hipertexto as informações, as opiniões, os argumentos relevantes para a sua mais adequada solução. Caso o leitor se deixe levar desavisadamente de um link a outro e, a partir do novo texto acessado, por meio de novos links, a outros textos, e assim sucessivamente, ele correrá o risco de formar uma conexão em cascata, que, de tão extensa, poderá transformar-se numa cadeia sem fim, quebrando a continuidade temática, como é comum acontecer na conversação espontânea, em que um assunto puxa outro, que puxa outro e mais outro, de tal forma que, ao final da interação, já não é mais possível nomear o tópico da conversa, isto é, dizer sobre o que, afinal, se falou (falamos de tanta coisa...!)
Snyder (1997) afirma que "o hipertexto obscurece os limites entre leitores e escritores", visto ser construído parcialmente pelos escritores, que criam as ligações, e parcialmente pelos leitores, que decidem os caminhos a seguir. Como o hipertexto oferece uma multiplicidade de caminhos, cabendo ao leitor incorporar ainda outros caminhos e inserir outras informações, este passa a ter um papel ainda mais ativo e oportunidades ainda mais ricas que o leitor do texto impresso. Como dificilmente dois leitores tomarão exatamente as mesmas decisões e seguirão os mesmos caminhos, jamais haverá leituras exatamente iguais (se bem que isto também raríssimas vezes acontece - se é que pode acontecer - com os textos impressos). Pode-se, portanto, falar, de forma categórica, numa co-autoria. A leitura torna-se simultaneamente uma escritura, pois o autor já não controla mais o fluxo da informação. O leitor decide não só a ordem da leitura, como também os caminhos a serem seguidos e os conteúdos a serem incorporados, determinando a versão final do texto, que pode diferir significativamente daquela proposta pelo autor.
Escreve Marcuschi (1999) que a leitura do hipertexto é como uma viagem por trilhas. Ela nos obriga a ligar nós para formar redes de sentido. Sydner (1997), por seu turno, afirma que, ao ler um hipertexto, movemo-nos num labirinto que não chega a constituir uma unidade e cuja saída precisamos encontrar, de modo que o hipernavegador é submetido a um certo stress cognitivo, já que as exigências são muito mais sérias e rigorosas.
Sabe-se que o leitor de um texto constroi a sua coerência ao ser capaz de, através das intrincadas teias que nele se tecem durante a progressão textual, estabelecer mentalmente uma continuidade de sentidos. Como o hipertexto, por ligar textos diversos, não apresenta relações semânticas ou cognitivas imanentes (como, aliás, ocorre também com o texto impresso ou falado), é sempre possível que se estabeleçam relações incoerentes na seqüenciação de unidades textuais, o que pode afetar irremediavelmente a compreensão.
Foltz (1996) considera a coerência como o processo de incorporação de proposições ao texto-base. Para que isto ocorra de forma adequada, torna-se necessário haver algum tipo de integração conceitual e temática, que deve resultar da proposta de organização do produtor e da proposta de construção do sentido do leitor. Cabe a este, do mesmo modo que no texto falado ou impresso, a produção de inferências não só para o preenchimento de lacunas, como para a resolução de enigmas ou desencontros (mismatches), para a reformulação das hipóteses abortadas, tomando como base seus conhecimentos prévios (enciclopédicos ou episódicos), a pressuposição de conhecimentos compartilhados, bem como seu modelo cognitivo de contexto (Van Dijk, 1994,1997), o qual inclui necessariamente o conhecimento de gêneros textuais e de seu modo de constituição em suportes diversos.
Surge, então, o problema de determinar que tipo de suposição cognitiva os produtores de um hipertexto devem fazer para possibilitar a um grande número de leitores, cujos conhecimentos e interesses são diferentes, o acesso rápido e seguro às informações desejadas. Não lhes é possível antecipar todos os caminhos alternativos que o leitor poderá tomar. O leitor, por sua vez, tem à sua disposição uma gama enorme de possibilidades continuativas, a partir dos links e dos nós (blocos textuais) por eles indiciados, que o poderão levar ou não a manter-se fiel àquilo que é relevante para o tópico em tela. O problema é, portanto, como diz Marcuschi, um problema de macrocoerência e as ligações previstas são instrumentos vitais para possibilitar essa construção.
Escreve Braga (2004) que, segundo Lemke (2002), o hipertexto é hipermodal (texto verbal, som, imagem) e que, nesse tipo de texto, o conjunto de recursos já utilizados também em textos impressos, é ampliado e ressignificado, visto que as redes hipertextuais permitem uma conexão mais livre entre as informações veiculadas pelas unidades textuais construídas a partir de diferentes modalidades. Afirma a autora que isto favorece, inclusive, a construção de textos e materiais didáticos, na medida em que uma mesma informação pode ser complementada, reiterada e sistematizada ao ser apresentada na forma de um complexo multimodal.



5 - Considerações finais
Em virtude da possibilidade de conexões imediatas entre blocos de significados interligados como num vasto banco de dados, o hipertexto altera o significado do ato de ler e dos conceitos de autor e leitor (Elias, 2005). Segundo Bellei (2002:70-71), o autor é construtor de dispersões de sentido e o leitor autor de configurações de sentido em um sistema previamente programado.

Por esta razão, o autor e o leitor do hipertexto são colaboradores ativos (o que, evidentemente, não é privilégio do hipertexto), de modo que há autores que propõem redifinir o leitor do hipertexto como lautor (wreader) ou leitor liberto da tirania da linha, já que ele mesmo, em certa medida, produz e consome o sentido do texto. Um leitor de banco de dados deve organizar informações dispersas em termos de um certo padrão estrutural e em um espaço virtual, isto é, justapor blocos de sentido em uma atividade de 'bricolagem' (Bellei, 2002:71-73). Isto é, todo leitor é também autor, já que toda leitura torna-se um ato de escrita.
Desta forma, para Levy (1996:46),

A escrita e a leitura trocam seus papéis. Todo aquele que participa da estruturação do hipertexto, do traçado pontilhado das possíveis dobras do sentido, já é um leitor. Simetricamente, quem atualiza um percurso ou manifesta este ou aquele aspecto da reserva documental contribui para a redação,conclui momentaneamente uma secrita interminável. As costuras e remissões, os caminhos de sentido originais, que o leito reinventa, podem ser incorporados à estrutura mesma do corpus. A partir do hipertexto, toda leitura tornou-se um ato de escrita.

Hiperlinks e nós tematicamente interconectados serão, portanto, os grandes operadores da continuidade de sentidos e da progressão referencial no hipertexto, desde que o hipernauta seja capaz de seguir, de forma coerente com o projeto e os objetivos da leitura, o percurso assim indiciado. É ele próprio o responsável pela 'edificação' de seu texto.
E, para tanto, deverá não apenas mobilizar seus conhecimentos linguísticos, textuais, enciclopédicos, interacionais, como utilizar recursos próprios para a leitura, tendo em vista que o hipertexto é um labirinto formado de uma infinidade de textos, versando sobre infinitos temas, em uma extensa rede que possibilita múltiplos caminhos de leitura, e que lhe exige, portanto, o estabelecimento de conexões coerentes entre os segmentos do texto lingüisticamente materializados.
Assim, ao navegar por toda uma rede de textos, o hiperleitor faz de seus interesses e objetivos o fio organizador das escolhas e ligações, procedendo por associações de idéias que o impelem a realizar sucessivas opções e produzindo, assim, uma textualidade cuja coerência acaba sendo uma construção pessoal, visto que não haverá, efetivamente, dois textos exatamente iguais na escritura hipertextual. Persiste, no entanto, pelo menos até os nossos dias, uma restrição: o hiperleitor somente poderá partir para novas ligações que tenham sido previstas pelo autor, indiciadas pelos links por ele criados para acessar os nós assim interconectados, do que se depreende que ele não é o todo-poderoso que alguns querem fazer dele. O hipertexto, como também o texto tradicional, constitui um evento textual-interativo, embora com características próprias. Uma delas é não haver limitação do interlocutor, que pode ser qualquer pessoa desde que conectada à rede, já que o hipertexto não constitui um texto realizado concretamente, mas apenas uma virtualidade.
No hipertexto – como, aliás em todos os demais usos da linguagem – há sempre a consideração do outro, mas nele ela é levada às últimas consequências. Ainda que a única tarefa do autor fosse a marcação dos links, ele teria sempre em seu horizonte a projeção da imagem do leitor. E este será sempre co-autor, já que o acabamento do (hiper)texto não pode prescindir da participação do outro. Trata-se, no caso, de uma alteridade multilinearizada, fragmentada, descorporalizada, volatilizada, mas fundada em nossas relações com o mundo e nossa inserção em dada cultura.




6 - Referências bibliográficas
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XAVIER, Antônio C. O hipertexto na sociedade de informação: a constituição do modo de enunciação digital.
Tese de Doutorado, IEL/UNICAMP, 2003.


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Inge é uma jovem senhora de seus setenta e tantos anos.
Como se vê, a Internet já nasceu sem idade...

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