domingo, 7 de fevereiro de 2010

Marina Colasanti, nosso Apocalipse

Normalmente nos perguntamos, ao terminar de ler uma história: "Hum... Que outro final lhe daríamos?"
(Muitas sequer merecem esta reflexão.)
Em Marina não: a densidade onírica de suas narrativas nos conduz a perguntas como: "Que finais? Que outras histórias poderiam, a partir desta, surgir e prosseguir?"
Criadora travessa, ousada, curiosa, ela apedreja as vidraças das palavras corriqueiras. E de tal coragem vêm não as chineladas (dos críticos), mas os afagos (dos leitores e críticos), ao perceberem a surpreendente visão não de outras vidraças, porém de uma mansão resplandescente de vitrais, palavras além das palavras.
Milagre?
Não, não: são os esforços contínuos dela Marina, na seleção das pedras certas, da pontaria, do "Triiiim!" dos vidros denotativos partindo-se, do poder demiúrgico da reconstrução verbal. Eis ante nós o verdadeiro casarão plurissignificativo, visível num rincão onde circulam, passeiam, convivem livres e felizes os vocábulos, já sob o encantamento, num labirinto multicor de termos, idéias, ânsias, devaneios.
Palavras que voam. Que pousam. Que nos acenam e cortejam, cativando-nos. Palavras-princesas que se mudam em:
povo
ministros
vizires
sultões
crianças
aias
pajens
menestréis
cavaleiros
avós...
e novamente princesas.

Sua escritura de pique-esconde nos estimula à troca de papéis: ora narratário, ora crítico; aqui narrador, ali personagem...
Entretanto, nada de redes passivas, camas comportadas, fundas poltronas triunfantes: seus personagens e enredos nos expulsam dali e nos fazem metáforas suas. Que felicidade!
Uma literatura etíope-brasileira --- flor de todas as Áfricas.

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