domingo, 7 de fevereiro de 2010

O que dizer de ti, alma inocente?

Jovem: pediste-me uma opinião, pois ei-la:
Teus trabalhos até estão inspirados, mas não elaborados literariamente. Palavras apenas, e não luzes à nossa espera num caminho desconhecido, em auxílio à lúgubre jornada. Reescreve-os, apropriando-te dos mais oportunos, sensíveis, maviosos, cruéis e devastadores vocábulos errantes...
Pelo que entendi, ascendeste ao Paraíso, e o descreves, encantada, absorta, comovida, liricamente.
Deixaste a inspiração conduzir-te, numa doçura sem fim nem limite. Sob este aspecto teus escritos têm, a meu ver, reais méritos.
Só que o teu projeto de dizer se alicerça em tijolos que mal foram ao forno, e pré-cozidos ficaram; e em poucos anos tua arte desmoronará, ruirá, sucumbirá: não suportará, a pobrezinha, as vozes e olhares dos tempos vindouros, moldada que foi numa simples, única e inicial escritura.
Nada contra ti, porém tudo a favor da boa literatura...

Falta neles algo, eu diria; mas, na verdade, sobra algo. Talvez palavras. Faltou sim amadurecer a matéria mágica em teu coração e tua mente, antes de enunciá-la de um jato, como o fizeste. Ou pelo menos re, trienunciá-la...
Vejo teus poemas como simples prosa metrificada, possuindo momentos de rarefeita, razoável e avara poesia --- sem alcançar entretanto o encantamento inexcedível do transporte lírico perfeito.
Quanto à abordagem temática, foste bem e longe: tuas indagações, posto que pessoais --- ou talvez por isto, por esta intimidade partilhada ---, tuas indagações, repito, fazem o leitor refletir, medir-se, questionar-se, comparar as expectativas terrenas dele com as tuas.
Esse fundamento filosófico da Literatura, e logicamente da tua literatura, é o que nos resgata, restaura e dignifica como receptores.
Teus versos: flores sem dúvida solitárias, a que concedes um coração e uma alma, outorgando-lhes também uma personalidade sensível, desejosa das coisas cálidas, luminosas, e ansiosas por afetos, esses imprescindíveis laços que nos suavizam, conduzem e consolam. Cumprindo seu destino de flores, eles almejam a primavera, onde passearão em companhia de suas incontáveis irmãs.
Bem construídos, neles a métrica e a rima se estabilizam, engrandecendo os enigmas e solenizando os enunciados...
Sobressai aí um bloco de palavras cuja aura semântica nos remete a um poderoso sentimento de solidão. São elas: "luares", "lonjuras",
"presságios”, “distância” e “destinos”. Apoteóticos, os versos em que fulguram as palavras acima se fazem portadores de uma indagação que envolve esperanças, anseios, doces cuidados maternos, humildade e candura...
Enfim os textos convencem sobremaneira, porque:
a) se acham corretamente escritos;
b) se apresentam coesos, originais e coerentes, do ponto de vista estilístico;
c) se realizam por completo, pelo viés literário (mensagem imensa), graças ao equilíbrio de idéias e à maturidade dos conceitos neles expressos.

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