domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sílvia de Monrabeth (conto), de Rogério S. Farias (texto e resenha)

Este título pertence ao livro "A PROCURA DE STEVATAS e outras histórias", que se compõe de doze contos:
1 - Sílvia de Monrabeth
2 - Eles virão com a noite
3 - Quando o mar chamou Alayda
4 - O Assombro na casa do Sidemar
5 - O mistério na casa do poeta
6 - O Cavalo
7 - Dona Zizi e a metempsicose
8 - A procura de Stevatas
9 - Além das fronteiras esotéricas dos sonhos
10 - Necropsia de um poeta obscuro
11 - Zugdulhulglos
12 - Além da muralha da morte

Já examinei alguns, mas transcrevo apenas o primeiro e minhas observações, ainda incompletas:


SÍLVIA DE MONRABETH
As névoas encantadas dos sonhos levaram minha alma solitária por bosquessombrios, por sobre penedos de colinas sinistras, cobertas de musgos putrefatos e flores fétidas e mortas, além, muito além das Terras Lendárias, regiões que somente aos heróis, loucos e poetas é concedida pelos deuses primevos a entrada.
Minha alma solitária virou como que uma pluma levada pelos ventos oníricos, e naquela fria noite de inverno, no velho apartamento da cidadezinha do Sul, aos poucos ia ficando para trás todo tédio, monotonia e tristeza de um mundo onde, na vigília, eu vegetava entre sofrimentos, mediocridades, tristezas e ramerrões sem sentido ou lógica alguma.
Lá, nas Terras Lendárias, eu não era mais eu, mas sim o jovem guerreiro de cabelos loiros e encaracolados, Thorlantarac, cujos olhos eram mais azuis que todos os céus de verão ou primavera da eternidade. E, nômade como o vento, Thorlantarac cavalgava e trotava livre por desertos e florestas misteriosas. E além de guerreiro e caçador de bruxos e demônios da noite que infestavam as Terras Lendárias, era poeta e cantava antigas baladas que falavam de amores perdidos.
Seu nome era respeitado em Ukrith, a cidade das opalas resplandecentes, em Sharnibar, a cidade das papoulas rubras, e Cintradismônia, a cidade dos bravos, reinos além das lúgubres montanhas de Sassandriminir, entre Tukrith e Berbeltrinía.
Thorlantarac, o guerreiro, empunhava como arma sua alabarda, cuja lâmina fora forjada nas chamas de sua terra natal, a sombria Elenkótria, situada nas regiões dos pântanos pútridos e fumegantes de Yurm Ahul Kondraath. Thorlantarac tornara-se uma lenda viva com sua alabarda de lâmina cintilante. Por muitas terras ele vagou, antes de encontrar a bela Silvia de Monrabeth, que o encantou com sua flauta mirífica. Silvia, não da raça dos guerreiros, mas da raça antiga das dríades e ninfas metamorfoseantes do bosque de árvores altas de Saartrinberg.
Por sete noites ele amou a bela Silvia de Monrabeth.
Amou a música da flauta mágica de Silvia. Amou Monrabeth, a cidade em ruínas na clareira do bosque, maravilha ímpar e antiga das Terras Lendárias. E ele beijou a dríade de Monrabeth sob a lua antiga das Terras Lendárias. E ele a carregou em seu colo, nua, e depois galopou com ela sobre pradarias nas manhãs de primavera, no lombo de um unicórnio azul e manso.
Certa noite, quando Silvia de Monrabeth buscou entre as ruínas da cidade o cristal de Untropary, o deus do amor que concedia a seus devotos o prazer místico das almas gêmeas, uma víbora verde, saída das sombras dos destroços de um altar, picou-a no calcanhar, causando na bela Silvia a cegueira eterna e a loucura perpétua.
Quando Thorlantarac soube do ocorrido, chorou por vinte noites consecutivas, pois a amada agora era como um espectro vivo nas ruínas de Monrabeth, tocando com sua flauta uma outra música, a música triste da loucura e da escuridão do Inferno.
Desde então Thorlantarac foi desprezado por Silvia, que não o reconhecia mais, afundada na cegueira e loucura.
Quase enlouquecendo também, Thorlantarac foi embora numa tarde chuvosa. O céu chorava com Thorlantarac.
Thorlantarac foi embora antes de acordar e voltar a ser este que vos escreve estas linhas. Não sem antes beijar os lábios gélidos da amada, que completamente louca e cega, tornou-se um espectro vivo entre as ruínas grotescas de Monrabeth, a esquecida. Mais tarde, Silvia dos olhos verdes e da flauta louca morreria horrivelmente, afundada nas areias movediças dos pântanos adjacentes de Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas das feéricas Terras Lendárias, que só são acessíveis àqueles que dormem e sonham com mundos mágicos.

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Fim



Peculiaridades negativas:
a) ocorrência do substantivo bosque:
dríades e ninfas metamorfoseantes do bosque
minha alma solitária por bosques sombrios
a cidade em ruínas na clareira do bosque

b) ocorrência do verbo ser:
- regiões que somente aos heróis, loucos e poetas é concedida a entrada
- Lá, nas Terras Lendárias, eu não era mais eu
- era poeta e cantava antigas baladas
- Seu nome era respeitado em Ukrith
- pois a amada agora era como um espectro vivo
- cujos olhos eram mais azuis que todos os céus de verão
- Desde então Thorlantarac foi desprezado por Silvia
- Thorlantarac foi embora numa tarde chuvosa
- Thorlantarac foi embora antes de acordar
- que só são acessíveis àqueles que dormem e sonham
- e voltar a ser este que vos escreve

c) ocorrência do adjetivo louco etc.:
- Silvia dos olhos verdes e da flauta louca
- completamente louca e cega
- heróis, loucos e poetas
- a cegueira eterna e a loucura perpétua
- Quase enlouquecendo também, Thorlantarac foi embora numa tarde chuvosa.
- a música triste da loucura
- afundada na cegueira e loucura

d) ocorrência do adjetivo sombrio etc.:
- uma víbora verde, saída das sombras
- sua terra natal, a sombria Elenkótria
- levaram minha alma solitária por bosquessombrios

e) ocorrência da expressão Terras Lendárias:
- além, muito além das Terras Lendárias
- Lá, nas Terras Lendárias, eu não era mais eu
- bruxos e demônios que infestavam as Terras Lendárias
- maravilha ímpar e antiga das Terras Lendárias
- sob a lua antiga das Terras Lendárias
- Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas das feéricas Terras Lendárias

f) ocorrência de redundâncias:
- tristezas e ramerrões sem sentido ou lógica alguma
- naquela fria noite de inverno, no velho apartamento da cidadezinha do Sul

g) ocorrência de solecismos:
- aos poucos ia ficando para trás todo tédio

h) outras ocorrências:
1 - espectro vivo:
- a amada agora era como um espectro vivo
- completamente louca e cega, tornou-se um espectro vivo
2 - mágica:
- Amou a música da flautamágica de Silvia.
- que dormem e sonham com mundos mágicos
3 - minha alma solitária:
- Minha alma solitária virou como que uma pluma levada pelos ventos oníricos
- levaram minha alma solitária por bosquessombrios
4 - sinistras:
- por sobre penedos de colinas sinistras
5 - velho:
- no velho apartamento da cidadezinha do Sul

O discurso se acha envolto por uma nuvem de adjetivos, e pior ainda: adjetivos repetidos, além de bem triviais.



Peculiaridades positivas:
a) dos nomes próprios
Os nomes próprios nos arrastam, magnetizam e auxiliam a penetrar, brumas afora, no “clima” do conto, tão velado e enigmático. Convencem como termos definidores de regiões geográficas, entidades míticas e personagens. Isto além da sua robustez poética --- evocadora, rítmica, levitante.
Assim, por exemplo, Terras Lendárias toca no limite da nossa fantasia, fazendo-nos devanear em extrema aleatoriadade.
E mais:
a sombria Elenkótria
além das lúgubres montanhas de Sassandriminir
o bosque de árvores altas de Saartrinberg
os pântanos pútridos e fumegantes de Yurm Ahul Kondraath.

Ressalte-se ainda: Berbeltrinía, Thorlantarac, Tukrith e estudados abaixo como apostos, Elenkótria,
Sassandriminir...


b) dos apostos, esses acréscimos milagrosos
Cintradismônia, a cidade dos bravos

Monrabeth, a cidade em ruínas na clareira do bosque

Monrabeth, a cidade esquecida e em ruínas das feéricas Terras Lendárias

Monrabeth, a esquecida

Sharnibar, a cidade das papoulas rubras

o cristal de Untropary, o deus do amor que concedia a seus devotos o prazer místico das almas gêmeas

Silvia dos olhos verdes e da flauta louca

Ukrith, a cidade das opalas resplandecentes

Sílvia de Monbateth - O autor empregou aí uma locução substantiva (de Monrabeth), com função de aposto.
Normalmente, as locuções substantivas acrescentam qualidades ou defeitos ao substantivo (Sílvia). Neste caso, a locução deu-lhe um sentido de origem. Um primor.


c) construções frásicas perfeitas em ascensão e ritmo:
1 – (...) causando na bela Silvia a cegueira eterna e a loucura perpétua.

2 - Minha alma solitária virou como que uma pluma levada pelos ventos oníricos.

3 – (Sílvia) tocando com sua flauta uma outra música, a música triste da loucura e da escuridão do Inferno.

4 - (Terras Lendárias) regiões que somente aos heróis, loucos e poetas é concedida pelos deuses primevos a entrada.

5 - Terras Lendárias: só acessíveis àqueles que dormem e sonham com mundos mágicos.

Alertamos somente que as cinco frases acima reproduzidas representam meros exemplos, havendo em “Sílvia” diversas outras, de igual ou superior mérito.


d) do aconchego verbal
A expressão idiomática “este que vos escreve estas linhas”, já consagrada em todas as instâncias da língua, aproxima o receptor do locutor, acomodando-o sob os cobertores da narrativa.



Observações sobre a obra:
Terminei enfim de ler esse estranho livro, escrito com ódio, afeto, desprezo e carinho.

Pouquíssimos clichês. Quase nenhum erro de português. Apenas algumas repetições frasais sonolentas, descuidadas. Estilo original, incomum. Termos e expressões de acentuado bom-gosto literário. Terror expresso, latente, amargo, quase ecumênico.

Amor, morte, vida, sobrenatural, tudo em tom de naturalidade.
Maturidade literária e de vida, sabendo casar tudo.
Resenha em preparo.

Para e com Dom Roger, um ser das trevas, o Além é logo ali...
Enfim, para quem a Internet inteira conhece como Lorde Roger, Lorde of Shadows of Love, Tubarão das Letras ou Poeta das Sombras do Sul, fica facílimo transpor (conosco) os umbrais do terror supremo.

Contatos: rogerio727@yahoo.com.br
www.rogsildefar.tk



Bibliografia:
Dicionário Aurélio Eletrônico – 2008.
A Personagem, de Beth Brait.
A Personagem de Ficção, de Antonio Candido e outros.

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