domingo, 7 de fevereiro de 2010

Fundamentos Teóricos da Literatura

"Só quem escreve sabe as armadilhas
que a escritura oculta sob as mais doces palavras."
(Prof. Dr. Luiz Henrique da Costa)


Índice:
1 - Questionamentos básicos
2 - História da Literatura
3 - Crítica Literária
4 – Qual a função da literatura?
5 - Renascimento e Barroco
6 – A Literatura Portuguesa
7 – Os Formalistas Russos
8 – A Literatura e o Cinema
9 – Tzvetan Todorov e os professores
10 – Caráter de espontaneidade ou não da Literatura
11 – Paisagem contemporânea
12 - Os marcadores da Literatura
13 - A literatura infantil contemporânea
14 - Fontes de consulta


1 - Questionamentos básicos
O que é literatura? Como se estrutura ideologicamente? Quais as tensões que a balizam? O que suscita? O que a motiva?
As perguntas acima atravessam todas as proposições teóricas, sem nenhuma resposta definitiva. Isto porque a literatura não tem, a rigor, nenhuma finalidade prática. Aliás, a sua grande importância é não ter importância nenhuma.
Os conceitos de literatura variam de acordo com a História, com os fatos dominantes de cada época. Podemos analisar esses conceitos de acordo com os valores que se foram construindo ao longo dos tempos.
Ela não é cópia da realidade, nem modificadora dela... Ela falsifica e exagera sim, porém continua verdadeira, legítima, emocionante --- porque fundada no imaginário, na liberdade criadora do artista, situando-se portanto a anos-luz da realidade comum.
E faz com que aqueles escritores que se acham em atividade em qualquer parte do mundo digam respeito e se reportem a todos nós; e que, conosco se identificando, nos tornem sempre melhores.
A literatura é o domínio da ficção literária, a redescoberta do real --- já transfigurado pela fantasia; é conseguir enxergar o desconhecido com os óculos das palavras subitamente "novas".
Na definição de Luiz H. da Costa, "A Literatura é um condutor de convicções. E a Literatura Infantil não é algo separado, inferior ou menor que ela..."
A Arte não é fotografia do real, pois, ao organizar sua linguagem de forma tão peculiar, onírica e transparente, passa a outra categoria, a das coisas esteticamente perfeitas.
Mesmo quando o escritor se posiciona contra o modismo literário, contra o estilo dominante de sua época, permanece válida a sua rebeldia. Isto porque ele, embora inserido naquele contexto, ao negá-lo e renegá-lo, está evoluindo e fazendo evoluir esses valores para outro contexto (já que, ao recusá-lo, aponta outros). Caso não fosse assim, caso alguém não bradasse "Alto lá!", ainda estaríamos no Trovadorismo ou no Barroco...
A Teoria da Literatura engloba conceitos mais complexos, científicos, objetivos e universais, seguindo linhas críticas predefinidas.


2 - História da Literatura
Consideramos dois aspectos: os estilos de época (cronologia) e a estilística (autor/época).
O registro estilístico significa os diversos estilos existentes em cada época.
O registro histórico trabalha somente (ou mais) com o aspecto cronológico dos fatos literários.
Quando Homero escreve a Odisséia, é apenas um registro; não possui ainda uma característica de arte pela arte. Todavia, os séculos passando, vai surgindo e se consolidando uma relação com a Sociedade, resultando daí sua valoração estética.
O "New Criticism" (A Nova Crítica), surgida nos EUA, na década de 40, dominou a cena mundial até 1960. No Brasil, tivemos vários seguidores, como Afrânio Coutinho.


3 – Crítica Literária
- Literatura como movimento da Sociedade;
- Literatura como resultado de tensões entre ficção e realidade;
- Literatura como expressão ou construção ideológica;
- Literatura como resultado de inflexões de gosto; de valor; de beleza; de criatividade; de imaginação...


4 - Qual a função da literatura?
Para os formalistas russos, "literatura é a violência organizada contra a fala comum".
O conteúdo era a motivação da forma. O Dom Quixote aparecia como simples um pretexto, um artifício para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas.
Ao lermos uma história sem nos preocuparmos com a sua estrutura, tornamos a leitura mais intensa e finalmente chegamos àquilo que ela nos quer transmitir.
A literatura é, enfim, uma forma especial de linguagem, em contraste com a linguagem comum. No entanto, nem todos os desvios lingüísticos são poéticos.
A estranheza de um texto não garante que ele sempre foi, em toda parte, estranho: era-o apenas em contraposição a um certo pano de fundo lingüístico normativo...
O domínio literário não se desprende dos eventos que, simultaneamente, estão acontecendo.
A construção de sentido do texto se produz no momento do choque, do contato do leitor com a mensagem.


5 – Renascimento e Barroco
No Renascimento, há o resgate dos valores estéticos e idealistas, que durante séculos se foram perdendo.
Já o Barroco não conseguiu reproduzir a simplicidade do início da Era Cristã.
Os valores daquela época são reproduzidos em cada obra. Esse quadro se prolonga até o século XVIII, quando percebemos o enfraquecimento da Igreja.
Galileu Galilei e Isaac Newton anunciam ao mundo verdades incontestáveis, colaborando assim para a mudança do pensamento medieval e sua evolução rumo à liberdade intelectual. Afirmando que existiam outras formas de conhecimento além das contidas nos dogmas católicos, eles alargaram as fronteiras do sonho e da ousadia do homem da época.


6 – A Literatura Portuguesa
Um dos vícios peculiares da tradição literária portuguesa: a construção de personagens sensíveis demais, sintetizados com dados religiosos, como condição do ser a transitar pelo mundo, relevando apenas aquilo que a religião tinha como valor estabelecido.
Até o século XVIII, essa literatura jorrou como uma fonte quase inesgotável de valores morais, sociais etc.
A partir do século XIX, nota-se a ausência de classificação, uma necessidade de mercado, de alguma coisa que se conjugasse com o que os sábios transmitiam na escola pública.


7 – Os Formalistas Russos
Na Rússia pré-Revolução Soviética, formou-se o Movimento Idealista, com Roman Jakobson à frente, doutrinando sobre a linguagem, como o texto se estrutura etc.
Ao analisarmos a teoria formalista, reparamos que ela procura enxugar, limpar o excesso, o exagero emocional dos textos.
É importante valorizar a crítica formalista, como a organização particular da realidade, onde a forma prepondera sobre a interpretação.
Os formalistas começaram por considerar a obra literária como uma reunião mais ou menos arbitrária de artifícios.
Pensar na literatura como os formalistas o fazem é, na realidade, considerar toda a literatura como poesia.
Quando os formalistas trataram da prosa, simplesmente estenderam a ela toda a técnica que haviam utilizado para a poesia.
Formalistas – havia um excesso de todo o resto. Causam um desequilíbrio, levando a muitas lacunas: fato x ficção, verdade x mentira etc., o que pode ser considerado como literatura.


8 – A Literatura e o Cinema
O cinema foi inventado no final do século XIX. Teve sim apoio científico e financeiro, mas com a finalidade de registrar fenômenos do cotidiano, não como forma de entretenimento.
A partir da criação dos efeitos especiais, passou-se a criar narrativas.
Nos EUA, o que há de mais amplo no mundo virtual é o cinema. Lá, logo que alguém escreve algo que interesse à indústria cinematográfica, sondam-no para vender os direitos autorais.
O best-sellerismo designa a literatura que se destina a todos, à grande massa leitora.


9 – Tzvetan Todorov e os professores
A condição redutora da literatura não se resume aos professores que preparam as aulas, mas à indústria que reprime ou reduz o conhecimento.
Todorov aconselha os professores a oferecer aos alunos livros que estejam mais próximos de seus interesses e que não se afastem, levando-os a um mundo distante da sua realidade e conhecimento.
O autor se interroga sobre a própria literatura. Ela está ligada à condição humana, influindo no discernimento que se vai construindo do mundo, nos desejos ocultos dos que a amam... Para ele, a escrita imaginativa envolve fato e ficção, com alta dose de ambigüidade.
Considera ele esse enfoque na maneira de falar, e não na realidade daquilo de que se fala, como uma indicação do que se entende por literatura.
A produção, a reelaboração do texto é muito mais importante do que o seu mero nascimento, pois ele vem à luz eivado de inevitável intertextualidade; então, na reescritura pertinaz, incessante, o artista consegue torná-lo realmente seu. Tal esforço configura o tratamento pragmático da linguagem.


10 – Caráter de espontaneidade ou não da Literatura
A literatura infantil também serve de veículo para impor conceitos morais e, de modo bem sutil, dar destaque a determinados valores em vez de outros; logo, se notarmos isso, devemos desconfiar de sua falsa pureza, denunciando com veemência tal patifaria ideológica, tal comércio vil de idéias. Nada de aceitar calados a falsa reprodução da realidade!
A partir do século XIX, a Literatura tornou-se imponderável, irrefreável, incômoda enfim, denunciando fatos e situações que a Sociedade preferiria abafar: opina soberanamente sobre história, política, religião... Muda governos, desfaz países, constrói nações, salva povos, eleva a nós todos. Liberdade!
Quando escrevemos, refletimos sobre quem vai nos ler, sobre nós mesmos e outras coisas que faz com que a literatura não seja espontânea.


11 - Paisagem contemporânea
Quando percebemos que a totalidade, o conjunto das coisas remete ao mesmo contexto onde habitam todas as questões inerentes ao ser humano, visualizamos com nitidez os problemas que de forma direta o afetam: questões ambientais, sociais, raciais, ecumênicas enfim...
Trata-se de um mesmo universo de dúvidas, angústias e sonhos se repetindo, desafiadoramente, cristalizado no verso drummondiano: "Trouxeste a chave?" (1)
Geralmente as questões literárias mais veementes, polêmicas, atuais, se encontram na no ambiente cosmopolita das grandes cidades, como o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre...


12 - Os marcadores da Literatura
O que dirige o nosso olhar e distancia nossas mentes quando lemos um texto, só o mistério explica --- misteriosamente, claro. Portanto, atuemos perante o texto com bastante cuidado, paixão, serenidade e sensibilidade, para descobrirmos sua real vocação: enganar-nos ou encantar-nos.
O fenômeno poético surge como uma forma de tornar mais belo algo que nem pressentíamos, ou que vagamente adivinhávamos. Como disse Luiz Henrique: "O poeta é sempre aquele que está vendo o mundo pela primeira vez."
Esse estranhamento leva a outra situação que não se encontra explícita no texto, mas que se faz presente em nós, leitores.


Analisamos como ilustração um trabalho de Eucanaã Ferraz:

"Poema para os seios do meu amor" (2)
Dois balões
Aterrissados
Nas minhas mãos

Dois silêncios
Redondos e macios

Dois barcos que me levam
Longe
Onde mora a flor

Nossa abordagem enfoca a densa literiedade do poema, que se expressa na abundância das figuras de linguagem.
Com extrema e feliz delicadeza lírica, o poeta descreve metaforicamente os seios da amada.
A primeira estrofe nos causa estranheza e admiração, devido à construção verbal e teórica inesperada, imprevista, suave.
Já na segunda, a palavra "silêncios", oposta aos adjetivos "redondos" e "macios", define os seios e, mais que isso, transporta essa definição a um plano mágico, irreal, feérico.
E na terceira e última estrofe, os seios-barcos o levam além --- ao sonho, ao delírio, ao absoluto deleite. Note-se que o advérbio "longe" se encontra isolado num verso único sim, mas integrando também um céu pessoal, inefável, de inexcedível prazer.
A repetição de "Dois" gera e mantém uma constância rítmica e estilisticamente orgânica, trançando bem os significados do texto.
Eucanaã construiu seu poema com competente parcimônia, essencializando (sintetizando) os elementos formais, surpreendendo pela objetividade, precisão e concisão da abrangência.
Expressando-nos talvez melhor: cada palavra sua explica com exatidão a seqüência do ato sexual: a iniciação amorosa, as carícias preliminares (inserindo-se aí o tema presente, como "o caminho, o meio que leva até a flor, o órgão sexual feminino").
O vocábulo "onde" deveria ser, na verdade, "aonde".
E não se iluda o poeta com as louvações acima, pois seu trabalho também contém imperfeições, e várias. Só que a dinâmica do Curso não nos permite alongar-nos.


13 - A literatura infantil contemporânea
A literatura infantil hoje está formatada pela linguagem televisiva, cinematográfica etc.
Nas primeiras décadas do século XX, Monteiro Lobato brindou as crianças brasileiras com inúmeras obras; por isso, a nossa literatura infantil é, com justiça, dividida em antes e depois dele.
Na década de 60, a escrita se mostra independente, amadurecendo sem-pre. E na de 80, ocorre a explosão de autores e leitores: "Ficts", "O Menino Maluquinho" e outros livros, que aumentou bastante o número de leitores nas escolas.
A necessidade de consumo partiu dessas possibilidades.
Infelizmente, porém, a literatura acaba ocupando uma função didática, conceitual; serve para ensinar alguma coisas, nada mais. A noção estética quase desapareceu.
Os textos não acompanharam a verdadeira literatura, ocorrendo o predomínio das ilustrações sobre eles que, além de mal escritos, às vezes são demasiado curtos.
Em nosso caso, há um fundamento estético e outro moral. Intermediando-os, sobrepõe-se o mercado, cuja ambição é se apropriar de conceitos e obras, atribuindo-lhes determinado valor, objetivando lucros.
Há na atualidade uma escrita bastante melodramática, que produz uma espécie de pacto do leitor com o escritor.
A nossa literatura, entretanto, por se achar sempre em contato com o pensamento contemporâneo, desabrocha em obras originais e polêmicas; e aí reside um dos seus grandes fundamentos: a força com que transforma idéias, formas, fatos e mentes.
Esse empirismo, efetivado na análise objetiva dos fatos do cotidiano, faz que olhemos de novo a atual literatura infantil, mas sem a intenção (ou a ilusão) de ver a mesma concepção ou análise.


14 - Fontes de consulta
1 - A Literatura no Brasil, de Afrânio Coutinho. 6 vols.
2 - "A Psicanálise dos Contos de Fadas", de Bruno Bettelheim. 440 p., 21ª edição, Paz e Terra, RJ, 2007.
3 – "As Raízes Históricas do Conto Maravilhoso", de Vladimir Propp. Martins Fontes, SP, 1997.
4 – "Introdução à Literatura Fantástica", de Tzvetan Todorov. SP, Perspectiva, 1975.
5 - "Literatura e Sociedade", de Antonio Candido.
6 - "Literatura Infantil Brasileira", de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. 190 p., 6ª edição, Ática, SP, 2006.
7 - "Magia e Técnica, Arte e Política", de Walter Benjamim.
8 - "Notas de Literatura", de Theodor Adorno.
9 - "O Arco e a Lira", de Octavio Paz.
10 - "O grande massacre dos gatos e outros episódios da história francesa", de Robert Dartson. 2ª ed. SP, Ed. Graal, 1986.
11 - "O que é Literatura Infantil", de Lígia Cadermatori. 90 p. 7ª edição, Brasiliense, SP, 2006.
12 - "O Texto na Sala de Aula --- Leitura e Produção", de João W.
Geraldi (org.). 4ª edição, 136 p., Ática, SP, 2006.
13 - "Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação", de Beatriz Sarlo. E-DUSP, SP, 1997.
14 - "Seis propostas para o novo Milênio", de Italo Calvino.
15 - Teoria da Literatura, de André Wellek e Austin Warren.
16 - "Teoria da Literatura: uma Introdução", de Terry Eagleton. 400 p., 6ª edição, Martins Fontes, SP, 2006.


___________
(1) Do poema "Procura da Poesia".
(2) Este poema, do professor universitário Eucanaã Ferraz, foi analisado pela turma da Pós, orientada pelo professor Luiz Henrique da Costa, em março de 2008. Os desdobramentos coletivos da análise se inseriram no todo das atividades da semana.
Para realizar essa leitura crítica, acessei um "site" e vários "blogs". Os possíveis equívocos de interpretação então se dissiparam ou ganharam consistência de verdades literárias, ao confrontar o poema acima com o que pude recolher e ler da sua obra: trata-se de um escritor justamente consa-grado. Eis-los:
www.poesiaseprosas@com.br
www.antoniocicero.blogspot.com
www.regisbonvicino.blogspot.com.br
www.asescolhasafectivas.blogspot.com
www.alfabeto.blogspot.com


Perfil:
Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Publicou, entre outros, os livros de poemas
"Livro primeiro" (Edição do Autor: 1990)
"Martelo" (Sette Letras, 1997)
"Desassombro" (Portugal, Quasi 2001) e
"Rua do Mundo" (Companhia das Letras, 2004).
Organizou "Letra Só", seleção de letras de Caetano Veloso, editado em Portugal (Quasi, 2002) e no Brasil (Cia. das Letras, 2003).
Em parceria com Antonio Cicero, elaborou a "Nova Antologia Poética de Vinicius de Moraes" (Cia. das Letras, 2003).
Organizou ainda "Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes" (Nova Aguilar, 2004) e a antologia "Veneno antimonotonia" (Objetiva, 2005), onde agrupou poemas e letras de grandes de importantes nomes da poesia e da música brasileiras.
É professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde obteve o título de mestre com dissertação sobre Carlos Drummond de Andrade, e o de doutor com tese sobre João Cabral de Melo Neto. Contatos: http://www.eucanaaferraz.com.br.
Copiei o perfil acima de "asescolhasafectivas.blogspot.com", em 04/05/2008.
Já o poema abaixo retirei-o de www.poesiaseprosas@com.br:

"Não eram flores"
Não eram flores,
tampouco a aurora.

As palavras chegaram
sujas de sangue.

Delas, mal se podia
ver a face

por sob o silêncio
ressequido.

De homens
imolados a nada,

vieram frases
sem sentido,

flores da sevícia embrulhadas
no papel ruim dos jornais.

Ainda palavras.
Mas nunca tão duras.

Dei a elas esta folha
- a mais alva que pude.

Fim


Escrito em 07/06/2008. Modificado nove vezes até 03/05/2009.
Consumiu cerca de sete horas, entre computador, ônibus, mesa de trabalho, leituras e pesquisas. Pouco.

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